sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O mais corrupto de todos os tempos da última semana

collor-sarney-renan-farinha
 
Um dos argumentos mais frequentemente usados pelos anti-petistas aguerridos é o de que “nunca na história desse país” houve tanta corrupção. Evidentemente uma hipérbole tresloucada, coisa de gente sem capacidade de leitura da realidade e incapaz de apreciação cuidadosa da história.
 
O que abre espaço para o uso de tal argumento é o fato de que caiu, despencou, estilhaçou-se, a imagem do PT como última reserva de moralidade na política nacional. Disso não há dúvida.  O partido está aí de mãos dadas com Collor, com Sarney, coisas que “nunca na história” do PT, poderiam ser imaginadas.
 
O pragmatismo zédircelista fez com que o PT  se agarrasse sem ressalvas a qualquer estratégia de fortalecimento no poder, o que vem dando muito certo, de  forma que não interessa, e nunca mais irá interessar ao partido, bater de frente com caciques regionais, por mais espúrias que sejam as suas trajetórias políticas, por mais abjeta que seja a idéia de eventual aliança com eles.
 
Bom, até aqui eu, aparentemente, dei munição à barulheira oligofrênica das Reginas Duartes espalhadas por aí, agora vamos ao contra-ponto.
 
Para chegar efetivamente ao poder e lá se estabelecer, o PT optou por dar continuidade a práticas já estabelecidas, como uso de “caixa dois” de campanha e, supostamente, estratégias escusas para angariar apoio no congresso. Isso foi o que surgiu de mais destacável e foi a oportunidade à qual a oposição e certos setores da mídia se agarraram com mais afinco no sentido de desestabilizar o governo.
 
O problema é que o denuncismo irresponsável saiu pela culatra, porque a desmedida tempestade de factoides impediu que, mesmo os mais atentos, pudessem distinguir entre o que de fato estava acontecendo e o que estava sendo levianamente inventado. Nesse sentido, o PT foi ajudado involuntariamente pela posição insana da revista Veja e de outros veículos.
 
Agora, tratando do lenga-lenga segundo o qual o governo do PT atingiu o mais alto patamar de corrupção já havido nesse país, esse é um ponto mais intrigante.
 
Um dos maiores erros do governo atual foi não ter realizado, logo de partida, uma rigorosa averiguação de todos os processos de privatização havidos na gestão anterior.  Porque a verdade é que o Brasil não acompanhou o processo de privatização adequadamente.
 
Durante o governo FHC, enquanto o Estado era desmontado, a oposição comeu um “boi de piranha ideológico”. Enquanto todos  se ocupavam em debater o papel do Estado, a manutenção ou não de uma máquina Estatal mais robusta, implicações políticas e econômicas do modelo neoliberal, não se tratou de manter a atenção sobre como esse processo estava sendo tocado.
 
Estávamos todos ocupados em debater tudo numa abordagem acadêmica, o neoliberalismo estava vindo desmontar a máquina administrativa, seria o contra-fluxo de conquistas sociais, o fim do “welfare state”, o horror, o horror! Todos muito eruditos, muito ocupados em lapidar suas análises. Talvez por uma moda de empavonamento intelectual lançada pelo próprio FHC e assimilada inconscientemente até por seus mais enfurecidos opositores. O fato é que não havia muita gente atenta aos pontos mais simples, às próprias operações de compra e venda e à maneira como estavam sendo tocadas.
 
Depois de arrefecido o debate, quando todos lamentavam apenas o fato de as privatizações terem acontecido não obstante suas convicções contrárias, alguns poucos passaram a constatar que, enquanto faziam forte oposição às vendas de estatais, o que estava acontecendo na verdade era uma sequencia de doações graciosas camufladas de vendas.
 
É difícil mensurar corrupção para dizer o que é pior, mas acredito que um referencial adequado seja a lesividade ao patrimônio público. Nisso, é difícil concorrer com o que se deu durante a gestão tucana. Isso porque o percurso trilhado até a privatização geralmente seguia um roteiro padronizado:
  1. a estatal a ser privatizada passava um bom período à míngua, sucateada, para que lhe faltassem recursos e com isso se fortalecesse o argumento de que nada valia, que era apenas um peso a ser carregado pela administração. Em muitos casos as empresas não podiam, sequer, recorrer a créditos no BNDES para solução de seus problemas, o que estava vedado em Lei;
  2. depois de um longo período à míngua, a empresa recebia uma grande e violenta injeção de capital, para que ela passasse a ser  interessante ao adquirente num intervalo de tempo que não chamasse muita atenção da opinião pública;
  3. a cotação do valor da empresa pública a ser “vendida” era feita seguindo uma lógica de subvalorização alucinada, absurda, principalmente tendo em vista a anterior injeção de recursos feita para “revitalizá-la”, dispendiosa para o Estado;
  4. enfim, o adquirente arrebatava a empresa por um “precinho camarada”, tomando da própria administração pública um empréstimo para pagar, contraindo assim uma dívida que seria parcelada da maneira mais benevolente possível, paga com os próprios lucros da empresa, em parcelas diluídas a perder de vista com juros vistos apenas em negócio de pai pra filho;
Ou seja, qualquer um poderia ter se tornado dono de uma estatal. Eu, você, a Vânia, que é sua mulher, o Damião, a Andréia, a dona Maria. Não era preciso, de fato, ter dinheiro para adquirir a empresa. Era preciso ser camarada das pessoas certas, ser chegado da tucanada.
 
Não dá pra imaginar algo mais lesivo ao patrimônio público do que um processo como esse. Mesmo tentando, qualquer gestor que viesse depois teria imensa dificuldade em causar tamanho dano à administração.
 
O grande problema do PT, como já dito, foi dar continuidade a velhas práticas, corruptas, já entranhadas no funcionamento da política brasileira, quando chegou ao poder levando a responsabilidade de quem se apresentava como última reserva de moralidade no cenário. Foi isso que causou esse contraste, esse choque, que nutre o argumento estapafúrdio de que o atual governo é o mais corrupto da história.
 
Outro enorme problema do PT é a falta de elegância generalizada. Uma coisa é você ganhar uma Estatal, recebê-la de presente do “príncipe dos sociólogos”, numa transação que recebe todo um trato formal para que aparente ser juridicamente legítima. Outra coisa é um palhaço ser apanhado no aeroporto com a cueca cheia de dólares.
 
O único propósito desse texto é pontuar um tema tratado por aí de forma tresloucada. Não acredito que seja válido, em termos práticos, diferenciar mais honesto de menos honesto. Aprendi com a vida,  principalmente com meus pais, que ninguém é “meio honesto”. Não existe gradação em matéria de ética. Nesse sentido, me recuso terminantemente a ser apoiador de um partido que anda de mãos dadas com Fernando Collor ou com José Sarney. Faltas cometidas por membros do próprio time podem ser enfrentadas. É impossível formar uma grande equipe e poder “colocar a mão no fogo” por todos ali, mas os novos aliados, esses você escolhe, e essas escolhas dizem muito sobre você.
 
Em tempo: Quem tiver interesse em uma leitura séria sobre o tema das privatizações tocadas ao estilo tucano, recomendo a leitura do livro O Brasil Privatizado, do Aloysio Biondi, que pode  ser todo obtido gratuitamente nesse link.

2 comentários:

  1. Fantástico Ticiano, ta dando gosto ler teus posts... MESMO.
    Só falta uma coisa importante: os bancos, os juros, o proer... e um pouco menos de bom-mocismo e mais pragmatismo....
    Me explico:
    Uma coisa é vender patrimonio apenas "tercerizando a administração": que basicamente foi o realizado pela "privatização" - toma aqui meu dinheiro, minha empresa, vai ganhando dinheiro e me paga daqui a 25 anos.
    Outra coisa é pagar e não levar: toma aqui o valor de quase todos teus ativos, usa esta grana que você precisa pq estávamos jogando juntos e agora esta na hora de pedir arrego. Toma teu prejú pago "com o meu, o teu, o nosso", e continua o jogo....

    Acho que tua análise da conta da parte "produtiva" da economia... e a financeira? Os governos tem bancado sistematicamente o sistema financeiro como se isto só desse lucro para as empresas... aí é que é triste notar que o BC continuou com a mesma pegada - apesar da fazenda ter feito a lição de casa fiscalista... Mas PORRA, quando é que vamos parar de bancar o setor financeiro? QUEM ganha com isto?
    Só os bancos...???

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  2. Fala camarada! Vi teu texto aqui, e resolvi colaborar com a discussão de alguns pontos. Antes de mais nada, deixo claro um ponto: Não tenho partido (no Brasil não existe partidos por ideologia).

    Evidentemente o PT não inventou a corrupção brasileira, mas isso se você entender corrupção como o ato de desvio de dinheiro publico. Mas veja outros fatores, como o que chamam de “aparelhamento do estado”. A perda de eficiência, eficácia e a confiança na PF, no Correios, na Receita e por que não dizer nos mais diversos Ministérios (nomeações de políticos e não técnicos). São exemplos de órgão governamentais que atuam de acordo com interesses partidários e não de acordo com o interesse popular. Isso não seria uma nova modalidade de corrupção?
    Muitos desses desvios de conduta são denunciados por revistas como a Veja, que pode ter realmente os interesses dela. Mas será que eles não existem? Será que não precisam ser divulgados? Toda a imprensa, por pior que seja, levanta a discussão de pontos de vista que temos agora. Lembre-se que esse mesmo governo se beneficiou, ou tentou se beneficiar, aos montes quando na oposição. Acho que esse argumento de desestabilizar governo através da imprensa é nazi-facista demais. Os últimos acontecimentos (caso Receita e tráfico de influência na casa Civil) são fatos que nem o próprio Presidente “nega por completo”. Já conseguir julgar e punir os culpados é outra conversa....
    Concordo com você sobre o dinheiro perdido das privatizações. Mas veja: pense que uma Estatal é criada como qualquer hospital, escola ou autarquia. Por que? Porque ela nasce com um objetivo, atender uma necessidade. No geral, todas as nossas “empresas publicas” são sucateadas e não atendem a população. A diferença para a Estatal é que ela gera recurso para o governo (federal ou estadual, que seja). A privatização, ao um ver, não é um erro se gera eficiência que nunca foi obtida, independente de qual governo comandava, incluindo o Militar. O problema é o que se faz com o dinheiro da venda. Pense na atuação atual do BNDES e verá que é tão prejudicial quanto (nunca antes na história desse país houve um governo tão voltado para as grandes empresas privadas, caso OI e TAM, por exemplo, e Petrobras S/A e Vale). Não importa, pra mim, se foi por meio de privatização ou como o governo atual faz (financiando a venda do próprio bem público). O dolo ao contribuinte acontece da mesma forma.
    Evidentemente o PSDB é identificado com elites, mas muitas das ações do governo FHC são a base de sustentação do atual, como exemplo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acaba sendo positivo para todo o país. Burra é a oposição que não consegue reivindicar seus méritos.....
    Agora, imagine o que vem pela frente (como a experiência mostra) com uma oposição inoperante. No mínimo, aumento da carga tributária, CPIs abafadas e etc....
    O governo e o congresso são apenas reflexo da sociedade....

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