Há um aspecto dessas atuais eleições, que salta aos olhos e que é um dos fatores que tomo para considerá-la uma das cenas políticas mais imbecis que pude analisar. Parece que os pensadores da política brasileira andam subestimando o avanço do fundamentalismo religioso e errando suas apostas devido a esse equívoco.
Passado o primeiro turno, o tucano tá se pintando de verde que mais parece um papagaio com uma deformidade no bico. O PT também tá pra largar de vez o vermelho e se esverdear todo. Pensam eles que a agenda ecológica era o fator principal a impulsionar a campanha de Marina Silva.
Sim, havia, no meio universitário, entre o público jovem, um grupo de pessoas que considerou uma boa opção, num pleito tão complicado, abraçar a causa ecológica através da opção pela candidata do PV. Por outro lado, sabemos que turminha de universitários nunca impulsionou campanha de maneira muito significativa. Pode servir para alguns pleitos ao legislativo, mas não dá quorum suficiente pra impulsionar uma campanha à chefia do executivo com abrangência nacional.
O maior peso da campanha da Marina, apesar de todo o verde, era o da tal “bancada evangélica”, juntamente com suas “bases”, que agora faziam uníssono com as vozes preconceituosas da classe média católica, puxando essa barulheira ao estilo TFP que vimos ser ensaiada no primeiro turno e que agora explode no segundo.
Marina é uma mulher de considerável trajetória na política nacional e tem formação de esquerda. De certa forma, a candidata sabia não ser interessante para si o atrelamento explícito da sua campanha aos discursos de ódio religioso. Mesmo sendo crente, ela tinha bagagem política suficiente, além do envolvimento histórico com causas progressistas, para não querer que certos “argumentos” preconceituosos fossem usados por sua militância.
De certa forma, apesar de fortemente impulsionada pelo neopentecostalismo, a campanha de Marina Silva funcionou, no primeiro turno, no sentido de conter o uso desses argumentos grosseiros e preconceituosos esperados quando a religião, como fenômeno de massas, passa a inspirar a política.
Agora é segundo turno e sem Marina. Claro que a simpatia da direita religiosa recai sobre José Serra. Do outro lado está uma mulher de vermelho, com curriculo de envolvimento em movimentos rebeldes, um atrativo irresistível para os ataques de machismo e misoginia já esperados quando andam de mãos dadas a religião de massas, institucionalizada, e a estupidez, essas duas parceiras tão apegadas.
Explode o preconceito movido a fé, mas o Brasil mudou da década de 60 para cá. A força motora da nova “TFP” é a multiplicidade de igrejas evangélicas, onde os pastores acertam o que suas olhevas espalhadas por aí irão repetir irreflexivamente.
A elite católica brasileira entrou numa decadência tão franca que agora, até para sair nessa marcha retrógrada, com paixões políticas da medievalidade, vai de carona no barulho dos evangélicos. Na verdade ganha força a união dos preconceitos da nossa elite, movida mesmo pelo elitismo, pela aversão a pobre, com os preconceitos dos evengélicos em geral, fundamentados no que o pastor diz ser o “exemplo de Cristo”.
E essa tem sido a marca do segundo turno. A estratégia é vincular a candidatura do PT a determinadas mentiras que possam despertar ódio religioso e assim acender as velhas chamas. Inclusive a chama da misoginia, afinal, lugar de mulher, no mundo ideal dessas pessoas, não é em cargo de comando, absolutamente.
Talvez quando os nossos pensadores políticos fizerem o retrospecto dessas eleições percebam que, apesar de ter sido o pleito mais debatido da história, foi debatido nas bases mais imbecis possíveis. Talvez seja a hora, também, de parar de subestimar o fundamentalismo religioso “made in Brazil”, que isso não é coisa só do Oriente Médio. Existe aqui, é cheio de ódio machista, misógino, homofóbico, e talvez não tarde a se tornar violento.
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