segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O MEC fica com Mercadante; o prejuízo do ENEM, com o estudante

haddad fedeu
Sim, fedeu mesmo.

Em matéria recente, a revista Veja pegou como objeto de sua “crítica” o trabalho do ministro Fernando Haddad, sujeito que, durante 6 anos à frente do MEC, tratou de transformar o processo seletivo para o ensino superior numa trapalhada como jamais vista “na história desse país”.

A matéria teve a oportunidade de arrancar a máscara do ministro que jogou na lama os planos de jovens que pretenderam vagas no ensino superior nos últimos anos, mas como isso não rende capa explosiva de escândalo de corrupção, o texto ficou na superficialidade. No balanço da Veja, o MEC de Haddad é apenas medíocre; e em sua mediocridade ele ainda é melhor avaliado que as gestões anteriores. 

Pouco explorado no artigo, o ponto fraco do ministro é também o seu “xodó”. O “novo ENEM” que veio substituir os vestibulares tradicionais realizados pelas Universidades prometendo modernização e democratização. Não promoveu nada disso e transformou o processo seletivo num caos sem tamanho.

Todos as edições do ENEM são juridicamente nulas


Quem já folheou algum livro de direito administrativo, assimilou algo dos princípios da disciplina e deu pelo menos uma olhadinha no que trata de nulidades, sabe que, juridicamente, nenhuma das edições do “novo ENEM” se sustenta.

Casos maiores ou menores de vazamentos de questões ou de provas inteiras, de irregularidades na impressão dos cadernos e outros problemas estiveram presentes no concurso desde o primeiro, em 2009. A despeito da energia investida pelo Ministério Público, os processos foram validados na base da “gambiarra”.

O ponto aqui é: num concurso público, uma irregularidade que afete a isonomia do processo sinaliza um vício de nulidade. O processo não é anulável, ele é nulo de pleno direito, bastando o reconhecimento judicial da nulidade para que todos os seus efeitos sejam invalidados e as relações jurídicas por ele influenciadas retornem ao estado anterior.

Desde 2009, o direito administrativo e a própria Constituição Federal foram postos em confronto com o novo ENEM e, para a nossa desgraça, o MEC venceu. Alguns dos mais elevados princípios do Direito Público foram afastados para que os vícios do processo fossem “sanados” na base da gambiarra. Isso porque, no Brasil, ainda é besteira respeitar a Constituição quando ela se confronta com os interesses do grupo político dominante num dado momento.

Entre discurso e a realidade


É interessante o discurso de sustentação do ENEM. A princípio, o processo deveria quebrar com a lógica de sobreposição de conteúdo que imperava nos vestibulares e estabelecer um exame mais razoável, menos condicionado por macetes e “bizus”, subtraindo um pouco do poder dos cursinhos particulares e democratizando os resultados.

Ademais, com o SISU, qualquer candidato estaria concorrendo a qualquer das vagas ofertadas no sistema, o que, em tese, deveria favorecer o ingresso dos estudantes nas diferentes instituições.
Da tese para a realidade, a coisa muda de figura. Como praticamente nada é feito para melhorar a qualidade do ensino oferecido na rede pública, o aluno dessas escolas continua em tremenda desvantagem na pontuação.

Para piorar, com todos concorrendo por todas as vagas, fica em vantagem o aluno que conta com recursos para prover sustento em outra cidade, o que sai caro. Quer dizer, enquanto o ENEM não serve sequer para a redução do desequilíbrio pré-existente, o SISU cria um outro que desfavorece ainda mais o estudante pobre. 

Com esse empilhamento de deturpações, a promessa de democratização do acesso à universidade fica exclusivamente a encargo de ações afirmativas. Assim, elas precisam ser decisivas, seu peso tem que ser tremendo para que elas valham de alguma coisa diante dos desequilíbrios agravados pelo próprio SISU.

Não é questão de favorecer levemente para ajudar um aluno esforçado e que luta contra adversidades oriundas de sua situação social. É preciso um multiplicador de notas calibroso, que praticamente dê a vaga. Até porque ele precisa compensar as disparidades extras que o ENEM criou sem resolver as que antes existiam.

A prova e, especialmente, a redação


Já em 2009, algumas questões de provas do ENEM viraram piada em toda parte. Numa delas, um texto de uma conversa via MSN, que parecia escrito por um cidadão disléxico que fumou crack, servia de ilustração para a pergunta que viria depois, que basicamente questionava se a norma culta estava sendo respeitada ali.

De lá pra cá, as questões desse tipo não desapareceram. Talvez elas tenham sido melhor camufladas para evitar a gozação, mas estão pela prova inteira, fazendo com que o questionário e os “textos de apoio”, por vezes sem utilidade e até mesmo idiotas, agigantem o caderno.

São quatro horas e meia no primeiro dia e cinco horas de prova no segundo dia. As questões de múltipla escolha dão preferência ao uso de “textos de apoio” mesmo nas questões em que eles não são necessários e estão ali apenas para causar perda de tempo.

No segundo dia, há um agravante. Após quarenta questões de línguas e interpretação de texto, vem uma sequência de 45 questões de “contas”, que foi o que sobrou para a matemática depois que a turma do Haddad mutilou o programa da disciplina.

O aluno do ensino médio no Brasil não tem mais matemática no currículo. Se o objetivo é aprovação no ENEM, ele tem basicamente que treinar a habilidade de fazer com caneta e papel contas que podem ser feitas com uma calculadora por quem nunca foi à escola.

Fica claro que, nessa segunda prova, a administração do tempo é muito mais importante que o preparo do candidato nas disciplinas, até porque o estudante precisa deixar um bom tempo para a redação que, ingenuamente, ele pensa que alguém vá ler antes de dar nota.

As recentes denúncias de que a redação do ENEM não é corrigida, ou de que passa por uma correção de “faz de conta”, apenas corroboram com as impressões que tive após prestar o “concurso” por três anos seguidos.

Aqui não cabe modéstia, pois preciso usar meu exemplo para dar destaque ao que vem sendo discutido sobre a redação do ENEM. Minhas redações, tanto em concursos quanto em avaliações simuladas, tiveram quase sempre nota máxima. Em algumas ocasiões, uma distração me fez perder um décimo numa dessas notas.

Falei algumas vezes sozinho o que agora vem sendo desmascarado pela imprensa: a redação do ENEM não é corrigida. O que eles fazem não pode ser chamado de correção. O resultado da prova de redação é aleatório.

Sou formado em direito e sempre me interessei por temas relacionados a política, sem interesses partidários, primando pelo exercício da crítica. A propaganda do ENEM dizia que essas capacidades seriam decisivas no julgamento da redação, com uma relevância até maior do que a da absoluta atenção à norma culta.

O estranho é que meus textos abordando temas de interesse social tenham sido bem avaliados durante a vida inteira, desde o ensino médio, passando pela faculdade e por uma especialização em Direito Consticional. Nunca tive dificuldade em obter notas altas e a petição que escrevi de caneta no exame da OAB também teve pontuação máxima. Só quem não “curtiu” muito o que escrevo foi a misteriosa “banca” do ENEM.

Aqui não faço coro com uma parte alucinada da oposição que brada contra um suposto julgamento ideológico dos textos. Embora não simpatize e não tenha interesse em participar de qualquer partido ou organização hoje existente, tenho formação de esquerda e meu dircurso, nesses textos, certamente agradaria a um corretor tendente a favorecer textos alinhados ideologicamente.

Prestei o “concurso” três vezes e posso afirmar, com base na minha experiência e nos novos relatos surgidos recentemente, que o resultado da redação é aleatório. O único ano em que obtive uma nota acima do limiar da mediocridade foi em 2011 e não considero aquele texto o melhor dos que preparei nas três ocasiões.

Sempre desconfiei de que eles na verdade não leem as redações, mas ficava calado pois, vindo de quem não obteve a nota que precisava, isso parece desculpa de fracassado. Agora mais gente começou a falar e a imprensa tá em cima.

Se há um concurso em que a nota da redação tem peso decisivo e essa nota é aleatória, isso não é um concurso. É claramente uma farsa. É preciso marcar colado pois isso precisa parar. Estão sabotando a vida de muitos jovens com essa farsa, ano após ano.


Universidade sabotada


Com o ENEM e o SISU, o Governo Federal praticamente eliminou a autonomia das Universidades em seus processos seletivos, que foram substituídos por uma farsa centralizadora, cheia de contradições. O concurso enfrenta, a cada ano, o ataque do Ministério Público que, cumprindo seu dever institucional, trata de desnudar e de explorar os vícios de nulidade evidenciados no processo.

É grande o custo gerado pelo ENEM, sem que qualquer vantagem seja oferecida. Há muito tempo as vagas em universidades públicas, nos cursos menos concorridos, estão aí para quem tem um desempenho na verdade bem modesto nas provas. O terror do vestibular é conversa de adolescente tapado. O ENEM surgiu com a promessa de eliminar uma “crueldade” imaginária do vestibular e com a falsa proposta de democratizar o acesso ao ensino superior.

Na verdade, os cursos menos concorridos já sofriam com a entrada de candidatos pouco capacitados e agora, nesse aspecto, tudo fica ainda pior. As provas específicas, que averiguavam a mínima desenvoltura em disciplinas fundamentais para a carreira acadêmica pretendida, foram eliminadas. As vagas de engenharia poderão ser ocupadas por candidatos com pouco conhecimento em matemática e, pela baixa concorrência do curso, podem se dar ao luxo de um desempenho mediano numa “prova de continhas”, para ficar apenas com um exemplo mais ilustrativo.

Na prática, os cursos menos concorridos estão aí para quem quiser, como sempre estiveram, com a diferença de que agora o candidato tem que ir bem no sorteio da nota da redação. Ou seja, não mudou quase nada e o pouco que mudou foi pra pior.

No caso do curso de medicina, o caos é total, tendo em vista que o provão, menos complexo e com o tempo apertado, é menos eficiente para testar candidatos em alto rendimento. O desafio do aluno que pretende medicina é o de se manter por vários anos acima das notas de corte num provão extenso e, na sua maior parte, pouquíssimo exigente, esperando em um desses anos ser contemplado no sorteio da redação.

O que Fernando Haddad queria com o ENEM? Claro que o projeto não é uma deliberada sabotagem do sistema de acesso ao ensino superior. A questão é que as mudanças de verdade na educação dão resultados a longo prazo e o ministro precisava de algo grandioso em seu currículo para partir, como agora está partindo, para carreira solo como candidato.

Medidas que tenham efeito na triste realidade do ensino no Brasil tendem a refletir a médio ou a longo prazo, quando já se foram as gestões, os cargos, e os holofotes. O ENEM é um projeto aventureiro, arriscado, de um sujeito que precisava aparecer, caso desse certo, com algo digno de ilustrar um grande currículo. O plano arriscado visava apenas acrescentar algo o currículo do ministro.

Tivemos três anos para ver que o ENEM trocou o vestibular tradicional pelo mais puro caos. O resultado da aventura do ministro são três anos consecutivos de desastre, o que afetou a vida dele, que continua sem nada de positivo para apresentar e mesmo assim vai ser candidato, e a vida de incontáveis brasileiros que tiveram a infelicidade de desejar uma vaga numa universidade pública nesse intervalo.

Fernando Haddad será candidato à prefeitura de São Paulo levando no currículo um projeto irresponsável, aventureiro, que sabotou a seleção de candidatos às vagas do ensino superior público. Minha volta à condição de vestibulando não saiu como eu esperava, mas também estou partindo para uma nova graduação na qual, creio, conseguirei me realizar e dar o melhor dentro de minhas potencialidades. No fim das contas, ambos estaremos bem, eu com meu esforço e ele com o apoio de um eleitorado míope e de uma "esquerda" que institucionalizou o "oba oba" e os aplausos incondicionais a qualquer tipo de palhaçada.