A internet nos possibilita analisar discursos maneira muito peculiar e interessante. Discutimos bastante nas redes sociais, lemos e opinamos, analisamos textos dos mais diversos matizes “intelectuais” ou ideológicas. Podemos aqui desenvolver a capacidade de perceber elementos comuns a determinadas formulações e identificar a que grupos pertencem esses ou aqueles argumentos. É interessante observar a questão do “politicamente correto” sob essa perspectiva.
Não obstante alguns revezes, é indiscutível que estejamos hoje construindo uma sociedade mais tolerante, com a formação de um consenso de que devemos respeito ao outro, não importando sua orientação sexual, origem étnica ou qualquer outra diferença. Temos amadurecido nesse tocante e, claro, trabalhamos para reforçar esse consenso e para proteger as conquistas feitas nessa área.
Esses avanços no campo da cultura são muito mais fortes do que um imaginário código normativo do “politicamente correto”. Precisamos reforçar o consenso sobre a importância de nos respeitarmos mutuamente, não obstante nossas diferenças, muito mais do que estabelecer uma patrulha baseada numa normatividade estática. Essa mudança cultural é identificada, em certos grupos, como um suposto patrulhamento.
O sujeito que expressa preconceito ou mesmo que prega ódio, quando colhe a represália do grupo, ele não está sendo punido com base numa suposta normatização do politicamente correto. Está na verdade sofrendo as consequências de ter perdido o bonde da história. Daí surgem situações onde, pra piorar, o tal sujeito brada contra o “politicamente correto”, um tirano imaginário que o impede de desrespeitar livremente os demais, e fala com saudosismo do tempo em que podia esculachar livremente negros, mulheres, homossexuais, sem sofrer qualquer reprimenda.
Voltando ao ponto da identificação das fontes de cada discurso, nas redes sociais é possível “taggear” de onde partem determinadas argumentações e, via de regra, o brado contra o politicamente correto parte dos herdeiros “neoconservadores” de uma direita truculenta, saudosa de regimes autoritários e, por consequência, saudosa do tempo em que se podia esculachar (ou mesmo torturar e matar) minorias “indesejadas”. É mais confortável para esses grupos imaginarem-se perseguidos por um patrulhamento idiota do que concluírem que, na verdade, o mundo está mudando para melhor, apesar deles.
Claro, de mãos dadas com o brucutu saudoso de ditaduras vem sempre a direita religiosa. No Brasil, as igrejas neopentecostais, até pela inépcia dos seus participantes para a elaboração de um discurso próprio, importam, literal e integralmente, o discurso de ódio da direita religiosa norte-americana.
Fazendo coro com seus “irmãos texanos”, batem quase o tempo todo na tecla de que receberam uma missão divina para perseguirem homossexuais, por exemplo. Reclamam da “tirania do politicamente correto” por impedir sua operação de “caça às bichas”, a mais relevante missão do “homem temente a deus” nos dias atuais.
Claro, há um movimento residual de humoristas sem talento e sem inteligência que imaginam residir na ofensa a única forma de produção humorística. Falta de talento e de inteligência nunca impediu ninguém de fazer muito sucesso. A mídia está cheia de “humoristas” de destaque bradando contra uma suposta ditadura do politicamente correto, porque pra eles não dá pra fazer piada sem chamar negro de macaco.
Esse pessoal consegue fazer bastante barulho. Seus protestos contra uma imaginária tirania ganham eco no discurso de moderninhos metidos a “livres pensadores”. Ganha espaço a ideia de que o contestador moderno precisa bradar contra o “politicamente correto”, o maior inimigo da liberdade nos dias atuais. O moderninho é inofensivo, mas sua ajuda é muito bem-vinda para as causas daqueles outros, os efetivamente perigosos.
Há um punhado de chatos obcecados com uma normatividade politicamente correta? Não sei, sempre ouvi falar deles, mas em raríssimas vezes suspeitei estar diante de um. A verdade é que o tal “patrulhamento” é denunciado com frequência muito maior por esses grupos principais comentados acima.
É possível que, eventualmente, algum maluco “xiita” arrume encrenca por uma piada vinda de qualquer um de nós. A noção normatizar o que seria ou não seria politicamente correto é antipática, mas essa patrulha, mesmo que devamos admitir sua existência, tem um contingente muito menor do que o denunciado pelo “tiozão reaça de churrasco”, pelo pastor texano-tupiniquim, caçador de gays, ou pelo hipster “livre pensador”.
A suposta existência de um “patrulhamento” é de fato uma ideia repulsiva, mas não tenho visto esse calo doer em muitos pés por aí. Ele costuma doer sempre nos mesmos pés, de figuras que conheço bem, apresentadas brevemente nesse texto. Deixemos que gritem, deixemos que esses calos virem furúnculos. Suas lamentações são sinais de que estamos no caminho certo.
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