Há mil argumentos para criticar essa indústria, inclusive a embalagem imbecil acima, que faz alusão a um anabolizante hormonal vendido no Brasil pelo laboratório Organon, mas podemos ter certeza de que não há nenhum esteroide em seus suplementos de proteína por um motivo que põe fim a qualquer discussão: adicionar essas drogas aos produtos, numa dosagem diária capaz de promover anabolismo, deveria triplicar ou quadruplicar o preço de qualquer um deles para que a venda permanecesse lucrativa.
Os anabolizantes hormonais são ésteres de variações da testosterona. Essas variações são projetadas para atenuar alguns de seus efeitos, potencializar outros. Entre essas variações, os ésteres 17-alfa-alquilados são geralmente usados para administração oral, pois conseguem atravessar o sistema digestório, continuando passíveis de absorção e de efetividade. Há três problemas referentes a essas variações em particular: elas costumam ser mais caras e também destacadamente hepatotóxicas além de inibirem o eixo hipotálo-hipófise-gonadal (HHG), sem promoverem efeito virilizante.
Caso a alegada inclusão de anabolizantes hormonais nos suplementos de proteína fosse realmente prática dos laboratórios, teríamos necessariamente três consequências esperadas:
- uma considerável alta nos preços desses produtos, porque ninguém iria vender proteínas e dar esteróides anabólicos fazendo caridade;
- o aparecimento frequente de usuários com hepatite medicamentosa, tendo em vista a agressão hepática advinda dos 17-alfa-alquilados, somada à elevada ingestão de bebida alcóolica que faz parte da nossa cultura.
- a castração química temporária de quem estivesse tomando esses produtos, uma vez que todos os 17-alfa-alquilados inibem a produção de testosterona endógena, ao mesmo tempo em que não promovem efeito virilizante.
Na verdade, as dose capaz de promover anabolismo muscular num corpo já treinado chega a ser, para alguns desses fármacos, cinco vezes maior que aquela indicada na posologia do medicamento, escrita na bula. Isso faz com que os custos desse tipo de uso se elevem, juntamente com os riscos de efeitos colaterais, entre eles o do desenvolvimento de uma hepatite medicamentosa.
Supondo que os malévolos fabricantes de suplementos estejam incluindo drogas sub-dosadas em suas fórmulas, como solução para o problema de custo, o tiro sairia pela culatra. O uso de esteroides em dose inferior à conhecidamente efetiva, para fins de anabolismo muscular, tende a ter efeito contrário, tendo em vista que a produção de testosterona endógena é, mesmo em baixas dosagens, pesadamente reduzida, pela inibição do eixo HHG. Nesses casos, além de a droga não surtir efeito, ela priva o sistema da testosterona produzida naturalmente, o que provoca a perda da libido e, dependendo da duração do efeito, provável perda de massa muscular.
Os usuários de drogas anabolizantes, aqueles que usam sabendo com o que estão lidando, têm o cuidado de administrar, concomitantemente, testosterona em doses terapêuticas, sempre que fazem uso de variações não virilizantes. Isso evita a dita "castração química" temporária, uma vez que a droga injetada substitui a testosterona endógena na manutenção da libido. Ademais, o uso de 17-alfa-alquilados nunca deve ultrapassar 6 semanas, devido à hepatotoxicidade.
Com isso, podemos prever o efeito catastrófico do uso dessas substâncias por quem as viesse a ingerir inadvertidamente, associadas a suplementos de proteína, por prazo indeterminado e sem outras cautelas. Esses efeitos jamais passariam despercebidos, o que serve para desmentir essa propagada teoria de conspiração.
O uso continuado tenderia a causar, além da já mencionada “castração química”, redução da massa muscular. É difícil imaginar que alguém possa usar tais efeitos como estratégia de promoção de seus produtos. Não se trata de confiar na indústria, o problema é que a estratégia não faz sentido. Ninguém pagaria por um pó achocolatado que prometesse favorecer o desenvolvimento muscular mas que, na prática, deixasse o usuário mais fraco, sem qualquer interesse por sexo, e amarelo, ictérico.